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segunda-feira, 31 de março de 2008

Ana Cañas


no Globo (rj - 02/03)...

Ana Cañas
Conheça a mais nova cantora da safra de mulheres bonitas e talentosas que movimentam a atual cena musical brasileira


A moça põe um chapeuzinho anos 20, enfia uma cartola na cabeça do baixista Fábio Sá e o convida para um dueto. Afinada, a dupla faz uma bela interpretação do clássico "Summertime", de Gershwin. No momento seguinte, ela pede licença à banda e canta sozinha "Saudosa maloca", de Adoniran Barbosa. O gestual da menina de vestido rodado e sapatilha amarela é gracioso — e, ao mesmo tempo, desengonçado, despretensioso, natural. Ela também faz caretas, muitas caretas.

Parece ter um rosto para cada uma das músicas que canta com a sua voz de diva. O show da moça em questão aconteceu no Estrela da Lapa, na terça-feira, 19 de fevereiro. Ela se chama Ana Cañas, tem 27 anos, nasceu em São Paulo e é a mais nova cantora da safra de mulheres bonitas e talentosas que movimentam a cena musical atualmente.

Aninha, como é chamada pelos amigos, chegou para engrossar um time que já conta com nomes como Vanessa da Mata, Mariana Aydar e Céu. Seu CD de estréia, "Ana Canãs — Amor e caos", está fresquinho. Saiu do forno em novembro. Mas a paulistana, que fez uma única apresentação no Rio, já tem estrada. E fãs de carteirinha.

A história de Ana Cañas começou timidamente num famoso bar de São Paulo, o Baretto, no Hotel Fasano. Por dois anos, de 2005 a 2007, ela cantou religiosamente de quinta-feira a sábado no pequeno palco do jazz-bar. Os shows aconteciam à uma da manhã para um público de no máximo 80 pessoas. Aos poucos, a cantora foi caindo nas graças da turma que interessa. Caetano Veloso, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Toquinho, Seu Jorge, Naná Vasconcelos, Jorge Mautner, todos bateram ponto no Baretto para assistir às apresentações da novata que estava dando o que falar. Segundo Ana, suas pernas tremiam toda vez que aparecia um bamba na platéia. Ela conta que a temporada serviu para formá-la como cantora
Tinha intimidade com o lugar, com os músicos da casa, e aproveitou o espaço para criar, improvisar, experimentar. Em meados de 2007, resolveu raspar as economias e gravar um CD independente. Quando já estava com o repertório pronto, surgiu uma gravadora no meio do caminho. Coisa que Ana nem sonhava.
A Sony Music topou lançar o disco exatamente do jeito que ela queria, com composições próprias e poucas releituras. O CD logo vendeu cinco mil cópias, esgotando-se assim a primeira edição.

A cantora e atriz Marjorie Estiano assistiu ao show no Estrela da Lapa:

— Ela passa uma liberdade de quem conhece bem o seu instrumento. Ela vai brincando com a voz para onde bem entende.

O músico e escritor Jorge Mautner, de quem Ana gravou "Super Mulher", conta que, na primeira vez que ouviu o nome Ana Cañas, já achou interessante, diferente:

— Ela é uma cantora maravilhosa. Tem força, intensidade e uma coisa fogosa muito boa. A Ana envolve, emociona.

O sobrenome que chamou a atenção de Mautner é espanhol.

A mãe da cantora, Maria Del Carmem, nasceu em Madri. E o pai, Rafael, em Zaragoza. Apesar da dupla nacionalidade, Ana nunca esteve na Europa. Aliás, saiu poucas vezes de São Paulo. A infância e a adolescência foram tempos de pouca grana e muitos problemas. O pai, morto há dois anos, era doente, e a família de quatro filhos vivia com o salário de secretária da mãe. Ana cresceu no bairro do Itaim Bibi, Zona Sul da capital paulista. O primeiro contato com a arte aconteceu ainda no colégio.
Ela escreveu e montou uma peça de teatro, chamada "Ataque de Nervos", para apresentar em uma feira de ciências. Com o sucesso da empreitada, decidiu o seu futuro. Estudaria teatro, seria atriz. Quando chegou a hora de entrar para a faculdade, optou por Artes Cênicas, na USP.

Ana conta que tinha poucos incentivos culturais e artísticos em casa. Cresceu ouvindo música pop no rádio e nunca fez qualquer curso que a ajudasse a descobrir seu talento. O teatro era somente uma brincadeira de criança.

— Enfiei na cabeça que ia viver de teatro e estudei feito louca para entrar na USP — conta. — Mas eu era uma péssima atriz. Só me saía bem montando trilhas sonoras para as peças da turma. Cheguei a ganhar prêmios de melhor trilha na escola. Não cresci ouvindo Tom Jobim, Chico Buarque. Cresci ouvindo música pop. Nunca me disseram que eu podia cantar.

A refinada cantora Ana Cañas, amante de jazz e de boa música, é uma obra do destino lapidada pelo esforço.
Quando estava no segundo ano de faculdade, recebeu um telefonema de um colega falando de um teste para um musical. Na época, ela vivia de bicos: dava banho em cachorros, trabalhava de garçonete em festas infantis, labutava atrás do balcão no café de um cinema na Rua Augusta. Topava qualquer negócio por alguns trocados. Com dois aluguéis atrasados, resolveu, então, fazer o tal teste. No dia da inscrição, o diretor lhe entregou um CD para que ela ensaiasse uma única música.

Foi paixão à primeira audição. A música era "Night and Day", interpretada por Ella Fitzgerald. O musical nunca foi montado, mas mudou a vida de Ana. A partir dali, ela decidiu: viraria cantora.

— Lembro da sensação que a música me causou. Eu nunca tinha ouvido nada parecido, a voz usada como um instrumento. A Ella Fitzgerald cantava com a alma — diz.

Ana mergulhou no mundo do jazz. Enquanto estudava dia e noite em busca de cultura musical, começou a cantar na noite paulistana. Diz que só não cantou em churrascaria porque não foi convidada.

Em 2005, caiu do céu o cultuado palco do Baretto, com jazzistas da velha-guarda à sua disposição para montar um show. A carreira, então, decolou. Ana, no entanto, não está sentada em cima do recente sucesso, apesar de já ter até uma música em novela, "Coração vagabundo", de Caetano, tema do ator Humberto Martins em "Beleza pura".

Ela — que mora com o namorado, o artista plástico Flávio Rossi, há quatro anos — ainda quer recuperar o tempo perdido, ouvir tudo de bom que já foi gravado por aí. No momento, passeia pelo rock.

Acabou de descobrir, por exemplo, o grupo ACDC. Está encantada com Angus, o guitarrista. Fã de Marisa Monte, Rita Lee, Elis Regina e Cássia Eller, Ana é do tipo que se encanta, se apaixona. Para ela, a vida parece não ter sentido se não tiver a intensidade de uma Billie Holiday.

— O Seu Jorge uma vez me disse que eu não seria uma cantora de um só sucesso. Seria uma cantora para durar.— diz.

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